22/10/2013
Se
fosse uma empresa, teria registrado o segundo maior lucro do país no ano
passado, R$ 14,3 bilhões, menor apenas do que os R$ 21,8 bilhões da Petrobras.
Mas como é uma poupança do trabalhador, paga pelos patrões e administrada pelo
governo, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) exibe um resultado
bastante incomum em seu balanço: em meio a uma série de números positivos, o
único a perder dinheiro é o trabalhador, que é o dono do patrimônio.
Entre
2002 e 2012, o lucro do FGTS deu um salto de dez vezes (938%) e o patrimônio
líquido - dinheiro que o governo usa para investir em infraestrutura - cresceu
433%. O valor recebido pela Caixa para administrar as contas subiu 274% e
chegou a R$ 3,3 bilhões no ano passado, e o total depositado aumentou 142%. Já
o valor total dos juros e da correção monetária creditados nas contas dos
trabalhadores ficou em R$ 8,2 bilhões em 2012, uma alta de apenas 19% na comparação
com 2002. E o rendimento das contas nesses 11 anos foi de só 69,15%, bem abaixo
da inflação acumulada no período medida pelo INPC (103%), revela estudo
inédito.
-
Enquanto o Fundo vai muito bem obrigado, o trabalhador está muito mal, porque,
ao não receber nem a atualização monetária, o dinheiro diminui. Não questiono
as funções sociais do FGTS, mas se mesmo com isso, com as doações para o Minha
Casa, Minha Vida, o Fundo dá lucro, por que o trabalhador precisa ter prejuízo?
O governo está ganhando dinheiro com o Fundo, a Caixa ganha, com saldo menor os
empresários pagam menos multa. Só o trabalhador perde - diz Mario Avelino.
A
causa do descompasso é a regra de correção das contas: Taxa Referencial (TR)
mais 3% ao ano. Num cenário de juros mais altos, a TR compensava ou até
superava a inflação e os 3% eram ganho do trabalhador. Com a queda dos juros, o
Banco Central foi reduzindo a TR para evitar o rendimento excessivo da
caderneta de poupança e a fuga de recursos dos títulos da dívida pública; e também
o encarecimento dos financiamentos habitacionais. Assim, a taxa chegou a ficar
negativa e ultimamente está próxima de zero, o que faz com que as contas do
FGTS sejam corrigidas só pelos 3% ao ano, com a inflação em torno 6%.
-
Com juros altos, nenhuma aplicação em TR rivalizaria com os títulos da dívida
pública, então não havia problema. Mas como está tudo amarrado, a TR corrige
poupança, financiamentos. Isso interfere na gestão da dívida; se importou essa
perda real para a conta do FGTS. É um problema, porque é uma poupança que a
pessoa não tem opção de não fazer. E uma grande contradição, pois o mercado de
trabalho melhora, o patrimônio do Fundo cresce porque mais gente se formaliza,
há mais depósitos, mas há essa rentabilidade negativa nas contas individuais -
analisa Leandro Hoire, técnico do Dieese, que participou da elaboração de
estudo sobre o Fundo de Garantia e a TR.
EMPRÉSTIMOS
DO FUNDO RENDEM MAIS
Além
de programas subsidiados, como o Minha Casa, Minha Vida, o dinheiro do FGTS é
investido em títulos públicos e financia outras linhas de créditos
habitacionais e obras de saneamento e infraestrutura. Em todas, cobra juros
maiores do que os 3% que remunera as contas.
- De
1999 para cá, o governo vem manipulando a TR e causando perda enorme, o maior
assalto já praticado contra o trabalhador. O FGTS só tem servido para dar lucro
à Caixa - diz o deputado Paulo Pereira do Santos (Solidariedade-SP), o
Paulinho, ex-presidente da Força Sindical.
A
Força está liderando uma campanha pela briga na Justiça pelos prejuízos. A
Central Única dos Trabalhadores (CUT) reconhece as perdas, mas ressalta as
características especiais do Fundo.
- O
FGTS não pode ser tratado como ativo financeiro, porque investe em projetos que
são revertidos para a sociedade. Como cotista, não recebo retorno
individualmente, mas recebo como benefício social, como saneamento. Não se pode
olhar o Fundo simplesmente como investimento - diz Claudio Gomes, representante
da CUT no Conselho Curador do FGTS.
Num
período de 12 anos analisados pelo Dieese (de 2000 a 2011), o retorno obtido
pelo Fundo ao investir seus recursos foi praticamente o dobro do creditado nas
contas do trabalhador. Em 2011, por exemplo, a rentabilidade média chegou a 9%
e o crédito para cotistas, a 4,2%.
São
esses ganhos, somados aos depósitos feitos pelos patrões e descontadas todas as
despesas, que compõem o lucro líquido do Fundo. Os R$ 14,3 bilhões de lucro no
ano passado representaram um salto em relação aos R$ 5,3 bilhões de 2011 e já
incluíam os mais de R$ 6 bilhões destinados ao Programa Minha Casa, Minha Vida.
Sem isso, o lucro chegaria a R$ 20 bilhões. Mas foi um ano atípico, explica o
superintendente nacional de FGTS da Caixa, Sérgio Antônio Gomes.
- O lucro
efetivo do ano passado foi de R$ 14,3 bilhões, mas parte desse valor foi
resultado de reversão de provisão. Ou seja, havia reserva de R$ 11,7 bilhões
para pagar os trabalhadores que ainda buscam receber perdas dos Planos Verão e
Collor na Justiça. No ano passado foi feito novo estudo, essa provisão caiu a
R$ 4,2 bilhões, e os R$ 7,5 bilhões voltaram para conta do Fundo - diz.
Esse
dinheiro, como todo o restante do lucro, não vai para as contas dos
trabalhadores, mas para o chamado patrimônio líquido, que já soma R$ 55 bilhões
e alimenta o FI FGTS, fundo do qual o governo pode usar até 80% para financiar
obras de infraestrutura e saneamento.
GOVERNO
TEM MAIORIA NO CONSELHO CURADOR
Formado
por 12 representantes do governo, seis dos empregados e seis dos empresários, o
Conselho Curador é responsável pela administração do FGTS. Representante da
Força Sindical, Ramalho Júnior diz que, na prática, quem manda é o governo, por
ter maioria e a presidência, ocupada pelo ministro do Trabalho, o que garante
voto de minerva. Flávio Azevedo, indicado da Confederação Nacional da Indústria
(CNI), concorda. Diz que o máximo que os demais membros fazem é
"vigiar". Ele não defende melhora nos rendimentos das contas, mas
rebate a tese de que os empresários se beneficiam do saldo menor, sobre o qual
incide a multa de 50%, paga quando demitem seus empregados.
-
Para os empresários, essa questão da multa não alteraria muito. O que questiono
é se é melhor não ter esse prejuízo, mas pagar mais pelo financiamento
habitacional e reduzir o acesso à casa própria - afirma Azevedo.
Dono
de um saldo de R$ 30 mil no FGTS, o analista de sistema Jessé de Almeida, de 51
anos, diz que já está com tudo pronto para ir à Justiça.
- O
governo devia usar os impostos que pago e não o meu dinheiro para fazer seus
investimentos. Estou perdendo uns R$ 20 mil e vou brigar, porque quando deixo
de pagar imposto o governo me cobra e com multa e correção.
Para
administrar os cerca de 250 milhões de contas do FGTS, a Caixa recebeu, no ano
passado, R$ 3,3 bilhões, valor que representa mais de metade do lucro líquido
do banco em 2012 (R$ 6,1 bilhões), e supera os R$ 3,1 bilhões gerados pela
multa adicional de 10%, cuja manutenção foi alvo de queda de braço entre
governo e empresários.
- A
Caixa recebe 1% do ativo do Fundo para ressarcir o custo de administração, e
isso foi aprovado pelo Conselho Curador. Não tem nada a ver com multa adicional
de 10% - afirma Gomes, superintendente da Caixa.
Procurado,
o Ministério do Trabalho não atendeu ao pedido de entrevista.
Fonte:
http://andremansur.jusbrasil.com.br/noticias/111937585/perdas-bilionarias-no-fgts?ref=home