(82) 3326-4454
sintect-al@uol.com.br

Entrevista Online

21/02/2014

...

 

 

Entrevista Online inicia a partir de hoje uma série de entrevistas com lideranças do passado, da atualidade e com ativistas da base dos trabalhadores dos Correios em Alagoas objetivando o resgate e a preservação da memória sindical dos ecetistas alagoanos. Nossa primeira conversa é com José Inácio Aguiar Ribeiro, um dos fundadores da ASCOR e liderança sindical na década de 1980.

 

 

 

José Inácio Aguiar Ribeiro nasceu em Paulo Jacinto, no dia 02 de julho de 1949. É funcionário dos Correios desde 01 dezembro de 1978. Atualmente é técnico administrativo pleno. Pioneiro no movimento sindical nos Correios e militante do Partido Comunista do Brasil, durante a década de 1980 foi uma das principais personagens da esquerda dentro dos Correios ao lado de Lourival dos Santos. Nos tempos da ASCOR, ocupou por dois anos o cargo de secretário. Afastou-se da linha de frente do movimento sindical por questões políticas partidárias entre o PT e o PCdoB. Retornou ao movimento sindical em 2004 e foi eleito diretor financeiro do Sintect-AL para o triênio 2007/2010.

Confira agora a entrevista realizada com José Inácio em 18 de janeiro de 2008, na sede do Sintect-AL, por ocasião das pesquisas para o livro Carta Aberta: o movimento sindical nos Correios de Alagoas (1985-1997).

 

Entrevista Oline – Você poderia me dizer qual era a conjuntura política na categoria dos Correios entre 1984 e 1985?

 

INÁCIO – Olha, os Correios na transformação de Departamento para Empresa que foi através do Ato Institucional Nº 05[1], Como não poderia deixar de ser foi criado através de um golpe militar, toda a diretoria da empresa era composta por militares e era terrível. A perseguição a lideranças que apareciam era severa com demissão imediata, sumariamente, não tinha outro caminho e tanto a diretoria como os diretores regionais também que não tinham as gerências políticas, eles eram indicados por Brasília e vinha com a recomendação e com a autonomia total para demitir, para perseguir, inclusive, normalmente quando saía da empresa ia direto para a Polícia Federal.

 

Entrevista Oline  – Como surgiu o movimento sindical dos Correios no Brasil?

 

INÁCIO – O correio tem historicamente um movimento sindical forte, mas na época do Departamento. Depois do golpe militar, então, ele foi totalmente eliminado até porque as pessoas foram afastadas, ficaram a disposição da União e foi tratado como eu lhe falei anteriormente a ferro e fogo. Só que em São Paulo, através dos carteiros, como sempre, né? Surgiu o movimento encabeçado pelo Pedro Porcino e ele começou esse movimento de associação porque nós não tínhamos o direito à sindicalização. Então, ele criou a associação com cunho sindical. Como ele trabalhava em um CDD[2], ele através de mala mandava panfletos para todas as diretorias incentivando a criação de associações.

 

Entrevista Oline  – Por que a ASCOR foi criada em Alagoas?

 

INÁCIO – Com base nessa informação que o pessoal tinha de São Paulo algumas pessoas aqui que por sinal não foi ninguém ligado ao movimento sindical, a partido político que idealizou a formação da associação. Mas, no meio dessa discussão apareceu um grupo encabeçado por Lourival, Gilberto e o Luizão e nós praticamente nos infiltramos nas reuniões e conseguimos fazer a associação, fazer parte da diretoria também com outro grupo que não tinha a intenção de criar a associação com cunho sindical.

 

Entrevista Oline  – O fato de todos os carteiros estarem concentrados num único CDD ajudou na construção do movimento sindical dos Correios em Alagoas?

 

INÁCIO – Muito. Naquele momento a gente com certeza não teria tido sucesso, principalmente na greve de 1985 porque havia assim um grau de despolitização muito grande na categoria. Pouquíssimas pessoas tinham consciência do movimento, alguns participavam do movimento e até não tinha nenhuma consciência política, a exceção apenas eu e o Lourival. E como era apenas um CDD e uma agência central, tudo funcionava na sede da Rua do Sol, então ficou tudo muito mais não fácil, mas menos difícil pra que se fosse trabalhado o pessoal.

 

Entrevista Oline  – Você tem notícias de que correspondências vindas dos países socialistas eram violadas por órgãos do governo em Alagoas?

 

INÁCIO – Não só vindas de países socialistas. Quando correspondências endereçadas a pessoas ligadas a movimentos políticos de esquerda, Partido Comunista, Partido dos Trabalhadores, elas eram. Porque existia órgão dentro dos Correios que era ligado ao SNI[3] na época. E essas correspondências eram violadas descaradamente sem nenhuma autorização e arbitrariamente.

 

Entrevista Oline  – Como se deu o debate sobre a natureza da ASCOR, se combativa ou de lazer?

 

INÁCIO – Isso aí foi interessante porque na reunião pra formação da associação ela tinha uma diretoria praticamente montada já. Toda pronta e encabeçada pelo Judson Cabral[4]. Ele na época era o gerente de engenharia, era uma pessoa muito respeitada, querida no meio da categoria de um modo geral, nenhuma questão política. Nessa reunião a gente: eu, o Lourival, esse grupo que eu falei, o Luizão e o Gilberto[5] a gente compareceu, compareceu com bastante gente e lá a gente reverteu. Primeiro se desmanchou a diretoria que tava pronta. Então com a nossa intervenção, como a gente tinha levado muita gente, a gente tirou uma diretoria montada “puragente” compondo com eles e puxou a assembléia pra criação. Só depois da criação é que veio o debate sobre a questão da recreativa ou não.

 

Entrevista Oline  – Por que houve um racha na diretoria da ASCOR em 1985?

 

INÁCIO – Foi exatamente em função disso porque em 1985 foi quando começou a estourar a greve em todo o país, encabeçada mais uma vez por São Paulo e teve um encontro em Brasília do qual participou eu e o Lourival. Nesse encontro já começou o embate, o debate porque tinha uma tendência que queria só realmente uma recreação. Nós fomos na época recebidos pelo presidente da empresa que era o Laumar Machado e ele prometeu um reajuste, eu não lembro quanto era na época, se não me engano era 25%. E depois, quando nós voltamos aos estados, as diretorias, passamos isso para a categoria em assembléia e no final do mês não veio nada. Então, a diretoria, parte daquelas pessoas que há no movimento sindical puxou a assembléia com o indicativo de greve, pra o estado de greve. Foi realizado lá na OAB, na antiga OAB, no auditório e foi aprovada a proposta. Diante disso, aproximadamente 50% da diretoria que não concordava com o movimento sindical, através de uma carta subscrita por todos eles renunciaram e tivemos que as pressas recompor a diretoria e daí veio a greve de 1985.

 

Entrevista Oline  – Você lembra de alguns nomes que renunciaram em 1985?

 

INÁCIO – Lembro sim. Foi encabeçado por Judson Cabral que era o vice-presidente, o Adilson Batista que era o tesoureiro, Dilma Bonfim, Édile, Maria das Vitórias, Augusto [todos funcionários dos Correios]. São esses nomes, eu não lembro mais. Tiveram outros, mas os que eu lembro são esses.

 

Entrevista Oline  – Houve uma influência do novo sindicalismo liderado por Lula na linha política da ASCOR?

 

INÁCIO – Houve sim. Na época tinha grande grandes movimentos, as grandes greves do ABC Paulista e logicamente como tinha na criação das ASCOR, tinha o Lourival que era ligado ao PT e com certeza houve influência sim, o pessoal tinha uma admiração natural pelo companheiro Lula e houve uma influência muito grande sim.

 

Entrevista Oline  – As principais lideranças da ASCOR tinham noções das idéias marxistas, estudaram e debateram isso?

 

INÁCIO – Não. Olha eu vejo que tinha não uma pequena base. Eu no caso, na época era filiado ao PC do B e tinha as discussões normais em assembléias partindo das conferências do partido, mas não tinha nenhum aprofundamento porque eu nunca me aprofundei no estudo do marxismo. Mas a orientação era marxista.

 

Entrevista Oline  – Por que toda a diretoria da ASCOR foi demitida em 1985?

 

INÁCIO – Exatamente em função da greve. Aliás, em 1985 uma greve histórica onde parou praticamente a empresa inteira aqui em Alagoas e o diretor na época o Celso Pinto Mangueira, ele demitiu toda a diretoria e mais algumas pessoas que despontaram como liderança no movimento foi demitida. Salve o engano foram demitidas 31[6] pessoas em Alagoas.

 

Entrevista Oline  – As demissões de 1985 repercutiram na opinião pública alagoana?

 

INÁCIO – Sim. Repercutiram porque inclusive nós tivemos um apoio através da mobilização, nós fomos recebidos em palácio na época pelo então governador Divaldo Suruagy. Nos recebeu independente da questão política, da tendência política dele nos recebeu em palácio e isso aí repercutiu. Teve na época o deputado estadual Eduardo Bonfim que era do PC do B, que deu todo o apoio, e os movimentos sindicais com o Sindicato dos Bancários através do Claudionor Araújo, o Reginaldo Lira. Esse pessoal todo fez..., nós fizemos atos públicos no Calçadão e teve uma repercussão muito grande a demissão do pessoal.

 

Entrevista Oline  – A ASCOR participava das ações dos movimentos sociais em Alagoas?

 

INÁCIO – Participava ativamente. Principalmente depois de recomposta a diretoria, depois da greve quando o pessoal retornou, retornou fortalecido com a diretoria mais consciente, mais politizada e a partir daí ela tinha apenas o nome de associação, mas na prática era um sindicato. Nós participávamos de todos os movimentos sindicais, greves gerais, protestos nas ruas, atos públicos, panfletagens, todas às vezes a gente tava presente.

 

Entrevista Oline  – Em sua opinião quem foi Carlos Roberto Davi naquele período?

 

INÁCIO – Carlos Roberto Davi foi o maior carrasco que eu já conheci aqui, apesar de eu não ser carteiro, nunca trabalhei como carteiro. Mas eu acompanhava os movimentos, acompanhava a prática desse cidadão. Ele era tinha autonomia total da empresa pra fazer o que quisesse e bem entendesse. E o carteiro por uma simples tolice, ele demitia sumariamente. Tinha uma chamada CI que era comunicação interna, que era feita e como falei anteriormente, normalmente esse pessoal quando era demitido, era demitido por justa causa e encaminhado a Polícia Federal.

 

Entrevista Oline  – Quem foi Jarbas Maranhão no período?

 

INÁCIO – O Jarbas Maranhão foi o seguinte: ele foi um pára-quedista porque foi já na fase da transição da ditadura quando começou as indicações de diretores regionais feitas por políticos. Na época a ASCOR com muita propriedade, com muita habilidade, tentou indicar o diretor regional. Nós fizemos várias reuniões com o Renan Calheiros na época que era quem tinha a indicação e nos prometeu dá o adjunto, a indicação do diretor adjunto porque ele já tinha indicado um alagoano lá de Fortaleza, do correio de Fortaleza. Mas, de repente aparece Jarbas Maranhão indicado pelo Guilherme Palmeira. A gente não sabe ao certo como apareceu essa indicação porque o Jarbas nunca teve nenhuma ligação política e foi diretor. Mas era um “pau mandado[7]”. Na realidade quem dirigia a empresa era o Anildson Meneses.

 

Entrevista Oline  – Então, quem foi Anildson Meneses?

 

INÁCIO – Veja bem. O Davi foi o carrasco dos carteiros. O Anildson Meneses na época era o gerente de operações e o Davi era subordinado a ele, então logicamente o Anildson era o mentor de tudo, o Davi apenas seguia. Mas o Anildson não só perseguia carteiro, ele perseguia qualquer trabalhador e na época não tinha moleza não com ele. Inclusive teve uma época que ele foi ameaçado por um carteiro que foi demitido depois chegou a falecer, ainda bem não é? Por que o caminho não seria esse. Nosso movimento nunca pensou nessas coisas e esse carteiro não era ligado a gente. Mas o Anildson também foi um carrasco da categoria.

 

Entrevista Oline  – Após o processo de redemocratização do Brasil a prática administrativa adotada pelo regime militar continuou nos Correios?

 

INÁCIO – Continua. Até hoje ela continua. Os Correios teve uma chamada ESAP, Escola Superior de Administração Postal, que foi criada pelo então Advaldo Cardoso que era presidente da Empresa. Esse cara era um coronel do Exército. Ele criou essa escola com uma única exclusividade: de formar administradores postais que tinha lá verdadeiras lavagens cerebrais e ainda hoje atuam na empresa, a exemplo do nosso último diretor regional, o Renivaldo, que é um deles. Anildson Meneses é outro e todos eles. Então hoje esse pessoal ainda tenta, esse pessoal não entendeu as transformações, a eleição do Lula, o avanço do movimento sindical dentro dos Correios. Ainda hoje eles têm muita dificuldade porque foram criados dentro dessa escola e administrativamente eles na realidade, a maioria não ocupou o posto deles que seria na parte operacional, a maioria deles são diretores regionais, gerentes financeiros. O administrador postal podia tudo, mesmo sem ter qualificação, mesmo sem ser reconhecido como nível superior fora da empresa eles assumiam qualquer cargo dentro da empresa. Gerente financeiro, engenheiro, até cargo de gerente de engenharia assumiram. Ainda hoje tem esse resquício dentro da empresa.

 

Entrevista Oline  – Você pode falar como se deu a transição de ASCOR para sindicato?

 

INÁCIO – A transição de ASCOR para sindicato foi natural. Após a promulgação da Constituição nós ganhamos o direito de sindicalização, então não tinha mais como permanecer com a ASCOR. Então, foi um ato praticamente simbólico através da assembléia que tinha que ser essa questão dos trâmites normais, jurídicos e transformar a associação em sindicato. Como disse anteriormente, a prática dela já era de sindicato. Foi só uma questão legal. A diretoria praticamente continuou a mesma, as mesma pessoas e foi uma coisa assim, normal.

 

Entrevista Oline  – A ASCOR durante toda a segunda metade da década 1980 fazia críticas ao governo e procurava formar opinião sobre os posicionamentos do governo Sarney?

 

INÁCIO – Sim. Sempre a ASCOR, após o racha, ela sempre teve esse posicionamento de oposição porque como era muito ligada ao movimento sindical PT, PC do B, basicamente esses dois partidos na época e não tinha como. Fazia oposição ferrenha ao governo.

 

Entrevista Oline  – Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

 

INÁCIO – Não. Apenas hoje a gente tem uma referência, nós somos uma referência no movimento sindical de modo geral e dentro dos Correios principalmente. Eu acho que isso tudo que a gente tem hoje deve-se aquele momento. A gente não se intimidou, principalmente esse quarteto: eu, Lourival, Gilberto e o Luizão. E a gente foi demitido, voltou e no dia que a gente voltou nós entramos na empresa com uma carta aberta. Uma carta aberta a população, com uma carta aberta aos companheiros em que não abriríamos mão em momento algum dos nossos princípios. Então a partir daí a gente passou a ser mais respeitados, a ter mais respeito porque naquele momento que todo mundo achava que era uma coisa assim, que a empresa tinha feito de bom pra gente, mas não foi. Foi um movimento nacional através do Congresso Nacional, de uma mobilização muito grande e nasceu esse respeito que tem até hoje. Hoje a base do sindicato ainda é daquele pessoal. Eu acho que foi uma contribuição muito grande que os companheiros deram. Depois surgiram outros, o Biu, Cantoara, Roberval, Balbino. Então são pessoas que se destacaram e seguiram praticamente a mesma linha e é por isso que o sindicato e reconhecido e respeitado a nível nacional.

 

Entrevista Oline  – Obrigado.

 

 

[1] Durante o governo de Arthur da Costa e Silva - 15 de março de 1967 a 31 de agosto de 1969 - o país conheceu o mais cruel de seus Atos Institucionais. O Ato Institucional Nº 5, ou simplesmente AI 5, que entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968, era o mais abrangente e autoritário de todos os outros atos institucionais, e na prática revogou os dispositivos constitucionais de 67, além de reforçar os poderes discricionários do regime militar. O Ato vigorou até 31 de dezembro de 1978. (http://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htm)

[2] CDD – Centro de Distribuição Domiciliar.

[3] SNI – Serviço Nacional de Informação.

[4] Judson Cabral – Funcionário dos Correios no cargo de engenheiro, exerceu o mandato de vereador por Maceió na sigla partidária do Partido dos Trabalhadores. Atualmente é deputado estadual por Alagoas.

[5] Luizão e Gilberto – Duas lideranças da categoria nos tempos da ASCOR

[6] Embora tenha encontrado nos arquivos do Sintect-AL uma lista contendo o nome de 31 demitidos, nas pesquisas com fotografias de mobilizações em 1997 encontramos uma foto que registra um protesto em Penedo/AL contendo uma faixa denunciando 33 demissões.

[7] Pau mandado – indivíduo que cumpre a risca todas as ordens de seus superiores, independente delas serem lícitas ou não.


Rua Ceará, 206 Prado Maceió - Alagoas 57010-350
SINTECT ALAGOAS 2024
(82) 3326-4454 sintect-al@uol.com.br