24/10/2014
Por Ricardo Mota
No mesmo dia em que o Tribunal de Contas fez a festa da inauguração do seu jardim sem suspense, com duras críticas do conselheiro Anselmo Brito, por unanimidade, a Corte aprovou a concessão do auxílio- moradia para todos os conselheiros e integrantes do MP de Contas.
Valor do mimo: R$ 4.377,73 para cada um a cada mês.
O Projeto de Resolução Normativa teve como relator o conselheiro Otávio Lessa e já havia sido discutido pelos integrantes do Ministério Público Estadual.
Cada um dos beneficiários do auxílio-moradia, que “tem caráter indenizatório e deve ser excluída da incidência do teto remuneratório constitucional”, vai embolsar a grana sem precisar prestar contas.
Ou seja: é só um mimo para ajudar aos que percebem algo em torno de R$ 25 mil/mês.
Se é legal?
Nos seis “considerandos” que justificam a bomba que vem pela frente, o Projeto de Resolução Normativa – repito: aprovado por unanimidade – apresenta leis, resoluções e decisões até do STF para, ao final, afirmar – em palavras não tão chulas, evidentemente: “Vamos nessa, que é bom à beça”.
Confesso que fui surpreendido com a iniciativa do Tribunal de Contas, inclusive pela aprovação unânime da matéria, em um momento tão conturbado da relação entre alguns conselheiros e até mesmo entre o conselheiro-presidente e os integrantes do MP de Contas.
Eis, pois, uma questão que parece unir a todos na instituição (não os servidores. Estes continuam como sempre: apanhando e vivendo as dificuldades próprias de um assalariado).
Valores a destacar sobre o auxílio-moradia:
- Ele custará R$ 61.300 por mês aos cofres públicos estaduais.
- Ao final de cada ano, os cofres públicos serão sangrados em mais R$ 735.000 (dentro do orçamento do TCE).
- Cada um dos beneficiários do mimo receberá, por ano, fora salários, diárias e outros adicionais legais, R$ 52.500,00 – muito mais do que a grande maioria dos trabalhadores do serviço público embolsa no mesmo período.
Não haverá vendaval, como imaginava Paulinho da Viola em um samba clássico.
Conselheiro Anselmo Brito.
Foi a primeira autoridade a quem procurei depois que tomei conhecimento da matéria.
Perguntei se ele havia votado favorável ao Projeto de Resolução Normativa.
Ele me disse que “sim”, justificando que vai receber o dinheiro para equipara o seu gabinete e garantir melhores condições de trabalho aos seus auxiliares.
Destacou que a decisão de requisitar o mimo é individual: recebe quem pede, desde que esteja na relação dos potenciais beneficiários. São sete conselheiros (incluindo o auditor-substituto) e mais sete procuradores do Ministério Público de Contas.
É claro que indaguei se, apesar de legal, o auxílio-moradia não seria imoral.
Ele argumentou que o melhor era não precisar da grana para os fins mencionados por ele.
Agradeci e desliguei o telefone.
MP de Contas
Telefonei para dois procuradores do Ministério Público de Contas, com quem tenho mantido uma interlocução frequente desde que assumiram os seus postos.
Um deles me disse que a matéria “polêmica” havia sido exaustivamente debatida entre os procuradores, tendo sido aprovada por causa da sua “base legal” (magistrados e integrantes do MP já a recebem).
Fez uma revelação: um dos integrantes do MP de Contas decidiu que não vai querer o dinheirinho a mais.
Quis saber quem seria o admirável servidor: “É segredo” – e não adiantou a minha insistência.
Liguei para outro procurador do MP de Contas. Este foi mais maleável: sincero, disse que vai receber o auxílio-moradia – “legal” – e revelou o nome do colega que decidiu não aceitar mais esse abuso com o dinheiro público.
Principalmente numa instituição que não cumpre o seu papel constitucional e só chega à mídia pelos escândalos lia que produz.
Não custa lembrar Nélson Rodrigues: “Dinheiro compra até amor verdadeiro”.